Quaresma não é tempo de tristeza nem cara feia. É ocasião para estreitar nossa amizade com Jesus e assumir seus pensamentos, sentimentos, critérios e valores.A beleza da quaresma está em adquirirmos a liberdade interior, desvinculando-nos do mal e do pecado. Assumir nossas sombras, curar nossas feridas, libertar nossa alma para a prática do bem fraterno e dobem comum, faz parte da penitência quaresmal.
A beleza da quaresma consiste ainda em realizar nestes quarenta dias uma romaria ao nosso interior, através de um retiro diário. Quanta riqueza contém os evangelhos da paixão de Nosso Senhor. É preciso meditá-los para ali, na escola de Jesus, aprendermos a admirar a imensidão do amor de Deus, a desagregação que vem do pecado e a recriação da humanidade.
Como não deixar-se atrair pelo sangue de Jesus? Suas chagas e o coração transpassado? Seu jeito de rezar, de catequizar, de viver cada etapa do seu processo, condenação e execução na cruz? É impossível não ser tocado por sentimentos de assombro e admiração perante a atitude filial de Jesus no sofrimento, sua fineza no trato com as pessoas, sua solidariedade mesmo sendo a vítima inocente?
Quaresma é tempo para fazer a experiência do encantamento pela pessoa de Jesus Cristo, para conhecê-lo interiormente, amá-lo ardentemente e seguí-lo generosamente. Em Jesus vemos o rosto do Pai e encontramos o nosso verdadeiro eu. Daí a necessidade de fixar nossos olhos nele.
Quem encontra Jesus Cristo tem a vida plenificada e a alegria de viver. Tem razões para sofrer e vencer, para amar inclusive a quem nos rejeita. Jesus faz a vida livre, nova, bela e grande. A amizade com Jesus abre as portas para grandes possibilidades, para a dilatação do coração e para a transformação da realidade.
Quem crê em Jesus Cristo passa da morte para a vida, da tristeza para a alegria, do absurdo para o sentido, das trevas para a luminosidade, do desalento para a esperança. Portanto, conhecer Jesus Cristo é nossa alegria, segui-lo é acolher a verdade do evangelho, torná-lo conhecido é oferecer o maior tesouro a todos os povos, através da missão.
A beleza da quaresma se expressa na oração, jejum e partilha (esmola). A oração coloca em ordem nossa relação com Deus, o jejum modera nosso egoísmo, especialmente o orgulho e as paixões, a partilha (esmola) é expressão do amor fraterno. Eis a espiritualidade quaresmal.
Morrer ao pecado e nascer para a vida nova, é uma páscoa cotidiana. Estamos sempre em páscoa, isto é, em passagem do mal para o bem, da mentira para honestidade, da vingança para a misericórdia. É um processo de conversão permanente, um combate ético e espiritual.
A quaresma pede um jeito novo de viver e um ritmo diferente na vida cotidiana cujo objetivo é alcançar o amor fraterno. O coração do cristianismo é o amor sem medidas, sem limites, sem recompensas e interesses. Amar do jeito que Jesus amou. Ele amou primeiro, de modo incondicional, amor universal, amor de entrega e doação de si. Jesus é a visibilidade do amor de Deus e protótipo do amor humano.
Meditando a paixão de Jesus, somos tomados de maravilhamento por Deus e de compaixão com os irmãos. A beleza da quaresma se expressa no aumento da fé, da esperança e do amor. Paulo apóstolo aconselha-nos a crucificar o mundo, a carne, as paixões e, por outro lado, a carregar a cruz dos irmãos. Hoje os crucificados do mundo são muitos. Existe pois a paixão do mundo que são os sofrimentos da humanidade. Até a natureza geme e sofre, esperando a libertação. A paixão de Jesus redime todas estas paixões e abre as portas de um mundo novo, que chamamos, reino de Deus.
Dom Orlando Brandes